Por que você não vai pra Cuba?

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Ufa! Bora lá.

Eu acabei de assistir a uma aula no meu doutorado na qual o meu professor – que também é o meu orientador e que é decano do departamento de Letras na faculdade – chorou no final da aula ao apontar nossos colegas negros que apareciam nos quadrinhos do zoom e dizer que, há dez anos, eles não estavam aqui.

Não estavam, disse ele – e muita gente sabe, mas não tem coragem de afirmar nem pra si, muito menos em público de tão bárbara que é a questão – não estavam porque uma parte da elite brasileira – mundial – ouso dizer que boa parte dessa elite não os quer nos bancos da faculdade.

Não estavam porque “não têm nível”, “porque não vão conseguir acompanhar”, “porque o ensino superior é para poucos”, “porque os lugares de gestores e donos de empresa já estão ocupados”, “porque o trabalho pra quem tem aquela cor deve ser de serviços gerais, o que envolve apenas o pessoal da limpeza, segurança e afins” (não estou desmerecendo o trabalho de ninguém, mas tenho certeza de que vocês estão me acompanhando).

Eu entendo o choro do meu professor. É uma luta, e uma luta exaustiva. Segundo ele, até hoje, ele ouve barbaridades dentro da própria faculdade, que dirá fora dela.

É uma luta exaustiva porque dá-se um passo pra frente e dez pra trás. Vide o presidente da Fundação Palmares no atual governo, um negro racista – veja se pode, aliás, no Brasil desta década, quase tudo pode – que desqualifica o discurso de luta e tentativa de reconhecimento como raça, como humanos; minimiza as dificuldades ancestrais de se ser negro no Brasil… Enfim, um pessoa que a vida inteira deve ter sofrido preconceitos por ter essa cor de pele, e, seduzido pelo poder, pela ideologia do mito – este ser adorado pelos que são cegos (ouvi essa frase do mesmo professor que chorou em “zoom de aula”), pelos que não questionam, pelos que engolem a história como ela vem – este ser chamado Sérgio Camargo, ele engole o discurso colonialista opressor de que não existe racismo no Brasil e segue, prejudicando a vida dos seus nos quais ele não se reconhece.

Eu compreendo esse choro. Porque não é possível que você não se compadeça dessa dor. Não é possível que as pessoas que se aglomeram e que não usam máscaras em plena pandemia não se sintam culpadas pelas mais, muito mais, de 300.000 mortes até agora.

Aliás, é possível sim, é bastante possível que não se responsabilizem porque o “Eu antecede o nós” nesta sociedade predadora na qual nos tornamos. No Brasil, isso é legitimado pelo presidente que pouco se importa se o trabalhador irá morrer de Covid depois de pegar um ônibus lotado, o trabalhador tem que trabalhar. Até porque, se morrer, ele provavelmente será negro, provavelmente será pobre… Quem se importa? Bolsonaro não se importa. Você se importa?

Depois que eu acordei, assim como o Felipe Neto, que vem dando aulas de civilidade – AULAS – eu passei a me importar, assim como o Felipe Neto. Acontece que o ranço, a catinga da colonização é ancestral também, assim como as matrizes africanas, sendo que a colonização, ela tinha armas, ela exterminou e calou índios, ela escravizou e estuprou negros e nas escolas nós aprendemos apenas que nós somos mulatos, cafuzos, brancos, mamelucos, mas não nos ensinaram a questionar o que significa isso, como nos formamos e que fim levamos cada um de nós após quatro, cinco séculos de colonização.

A elite aprende a vibrar com a notícia de que os assaltantes foram mortos no confronto com a polícia. A elite aprende a estranhar o coleguinha negro na turma do seu filho da mesma forma que estranha a pedinte branca de cabelos lisos.

Somos definidos pela cor de pele e essa cor de pele é quem determina os espaços ocupados – favelas, ou edifícios de trinta andares em frente à praia – determina os empregos conquistados, as escolas estudadas, o tênis e o celular que cada um “merece”, determina a comida que terá na mesa, se é que haverá comida na mesa.

É o tom de pele que, “quando sai do lugar”, quando ocupa um banco de doutorado em uma faculdade particular, causa estranheza, mas é por essa estranheza que meu professor vai lutar e eu também. É por essa estranheza que vale a pena votar, brigar, militar, sair às ruas. É para o dançar das cadeiras, é pra mexer no que está posto.

E é, pra depois de tanto tempo após a colonização, a gente, com o que restou de nós, com o que nos tornamos a partir daquele estupro imenso, o que nós vamos fazer com a gente.

Continuar exterminando negros e índios, o que parece ser a intenção do atual governo, nunca, jamais, será a intenção de quem é gente. Que não seja, jamais, a intenção da gente.

E o binarismo de pessoas que não se põe a pensar lhe perguntará: mas o que você tem a ver com isso, se nem preta tu és? Por que você não pega todo o seu dinheiro e dá pros pobres, já que tem tanta pena deles? Por que você não vai pra Cuba ser comunista?

Então, é a partir desse binarismo burro que precisa ser travado o nosso diálogo.   

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