Ilusões de um pescador

pescador de ilusões

Já tinha reparado nessas pessoas. Essas que vão às praias cedinho da manhã pra poder tentar achar o que os desavisados do dia, ou da noite, anterior perderam nas areias.

Eu os olhava com certa antipatia, confesso, pensando: olha aí, lá vem o povo que se vale do azar dos outros. Maaaaaas, como eu sempre repenso as minhas “sentenças”, que geralmente estão equivocadas, porque quando se julga alguém de bate pronto é quase certeza de que você estará sendo injusta, revendo o meu veredito, pensei o contrário: se a pessoa está nesta situação, é porque ela está carecendo demais de achar uma pulseirinha, uns óculos, um colarzinho pra ajudar na renda casa.

Pois chegando na praia do Leblon, depois de um ano e sete meses de fim do mundo, longe do Rio, chegando feliz da vida na praia depois de tanta luta sem negar a voracidade devoradora dessa doença, chegando lá eu vi um homem com uma rede no mar, na beirinha, pescando ilusões.

Sim, literalmente o “pescador de ilusões”, o que, com a fé e com a força do querer, encara um mar gelado, se molha todo e fica ali por horas, correndo a praia pra ver se sobra alguma sorte pra ele, para o azar de outros. Torci pro pescador.

Mais do que o peixe, ele busca ouro e joga no mar a tarrafa na ilusão do tesouro encantado. Como nas histórias, esses caras trabalham com sonhos. Já pensou, um “solitário” ali, depois de dias de caça, se deparar com um brilhante que lhes renderá o custeio do ano? Sonha, Alice. Mas sonha mesmo, pois, uma hora vai que rola?

Caçar ilusões… Ora, se a gente não vive é disso. Lutar por um amor, desejar alguém, batalhar por uma empresa, por um projeto, cuidar de uma criança tentando, ao máximo, que ela não perceba as injustiças do mundo de gente grande. Cuidar da saúde pra nunca adoecer – e aí que um vírus se abate sobre a Terra e a tal vitamina C do dia-a-dia é mesmo que nada. E olhe que tem gente que ainda se ilude com a Invermectina e a Cloroquina… Mas não vou entrar nessa, quero as boas ilusões.

Mentiras sinceras me interessam e eu já estou misturando Cazuza com O Rappa na ilusão de que isso dê samba.

Pescar ilusões, nós nascemos pra isso e, se um dia desistirmos disso, morreremos em vida, agonizaremos sem sonhos, minaremos sem planos. Caçar ilusões: de que ele venha, de que ela tope, de que o dinheiro entre, de que o job aprove, de que aquela pessoa dure o resto da vida, de que a pessoinha mais linda do mundo não sofra pelo que não é dela, de que venha a cura, de que a viagem saia, de que saia o sol…

Ilusões de que, depois de lançar a nossa rede no mar milhares de vezes, pela vida toda, a pesca tenha valido à pena.

O poeta já diz que “tudo vale à pena, se a alma não é pequena”. Ê, ê.

Você também pode gostar

Deixe aqui o seu comentário

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *