Outono e seu tempo

outono

Faz uns dias, começou aqui no Rio de Janeiro, onde me encontro, o outono. Na verdade, deve ter começado no Brasil inteiro, mas, não sei de onde você me lê, lá onde nasci, no Ceará, a gente só reconhece duas estações do ano: o verão, que vai de dezembro a dezembro – já que a temperatura quase não varia – e o “inverno” que é a estação das chuvas, que acontece do final de dezembro até junho, isso quando o “inverno” é bom. Por vezes, muitas vezes, nem isso.

Pois bem, foi assim que cresci, desconhecedora do que penso ser a “meia-estação” – outono e primavera – quase sem sentir seu frescor, muito menos o seu perfume.

Sempre me senti uma criatura do verão. Odeio frio, sempre odiei. Acho incômodo, deselegante – eu não consigo me avir com aquela ruma de roupa em cima de mim – acho desanimador… Enfim, detesto, então, morar num lugar onde o frio não se cria, é bom pra mim.

Garota do verão, quando comecei a experimentar outonos, sentia uma sensação melancólica, como se estivesse deixando pra trás os dias ensolarados e alegres e entrando num lugar meio “ponte” que me conduziria até aquele outro lado mais escuro e frio. Coisas que a gente vai enraizando na nossa cabeça e que somente anos de Freud na cuca pra poder entender.

Acontece que chegou o outono e antes que eu pudesse sentir a tal nostalgia, ele veio com dias de muito sol, um azul lindo no céu que só se vê mesmo em sua estação, um céu que abraça, um sol que acalenta e não escalda a pele e nos derrete inteiros, como o verão faz. Outono, ouso dizer, chegou trazendo paz, dando uma trégua.

Porque, feito a vida da gente, o verão é promessa de pura alegria, corpos bronzeados, beira da praia, muita cerveja gelada… Sim, tudo uma delícia. Acontece que esse cenário aí a gente visita duas vezes por semana, no máximo, o resto é dia-a-dia e os 38° no lombo é de rachar. Essa sensação só tive no verão do Rio, essa de escorrer suor onze da noite, de estar numa estufa. Não, apesar de preferir mil vezes isso ao frio, não é confortável mesmo.

Essa promessa de felicidade constante é coisa criada na nossa cabeça, o que a gente precisa mesmo é do bem-estar, essa sensação amena de certa tranquilidade, que a gente consegue quando sente que a vida está no rumo. Euforia é uma delícia, mas viver eufórica é cansativo e patológico, penso.

O outono nos autoriza a sermos menos, amenos, mais propícias a essa sensação de bem-estar em vez de exagerados picos de temperatura e pressão. Outono é brisa leve, é reconciliação, é conversa no pé-de-ouvido, é jantar a dois. Outono é música de Stacey Kent e de João Gilberto, é um bom livro num café ao ar livre, são as entrelinhas de boas histórias, é abraço demorado, é poesia. Outono é resiliência, é espera, é também esperança. É estender uma canga num gramado e se aconchegar num ombro que te leia coisas bonitas. Outono é primo da primavera, é seu oposto também. Uma traz o prenúncio das festas e da euforia, o outro, do inverno…

Depois das cacetadas dos últimos anos, minha alma anda meio “outona”. Muito tempo resguardada, não anda afeita a grandes clarões, prefere lagartear-se ao sol brando, ficar ali aquecendo-se de leve, sem tantos sobressaltos. Introspectiva, anda preferindo os pequenos encontros aos grandes eventos – acho que sempre foi assim. Preferindo o silêncio aos baticuns estridentes, anda querendo paz e não quer guerra com ninguém.

Desconfinar à meia-estação me parece mais saudável. Corpo inerte que estava, não conseguiria sair correndo uma maratona de felicidade em busca do tempo perdido. Seguimos não de onde paramos, mas de outro lugar e esse lugar ainda precisa ser tateado, reconhecido, reencontrado e o outono é um excelente convite a ir à rua atrás da vida, atrás do que perdemos por aí.

Esse “entre-lugar” – agora roubei a expressão de Silviano Santiago e a desloquei pras estações do ano – que parece ser de transição, que oscila entre frescor, calor, friozinho, esse lugar que parece incoerente e não definido, é esse lugar que é a gente, é isso que somos, contradições em busca de equilíbrio. Somos outonos e primaveras em busca de verões, fugindo de invernos.

Pois pretendo permanecer no outono, num estado de espírito outono, nessa ilusão de sensatez que o outono trás. Continuo sendo uma mulher do verão, vou sempre em busca de onde tem sol, mas uso filtro solar. Mas, por ora, até porque nem tenho outra opção, fico com essa grata surpresa que me sopra, baixinho, bons ventos: outono, em seu tempo.

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